sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O Garoto e as Histórias















     Parte 1 - O Garoto e a bicicleta.

     Era dia. Mas não era qualquer dia. Era o dia. Lógicas infantis dizem que um garoto que ganha uma bicicleta não espera o sol estar em seu auge para inaugurá-la. Logo cedo os outros garotos (é, aqueles sem duas rodas, e que não são O Garoto) que jogavam bola, podiam ver o Garoto à tirar sua preciosa da garagem. Um sorriso nos lábios e um paninho em suas mãos, não podia deixar de lustrá-la na frente dos outros.

     "Não tem preço" - Pensou.

     Montou-a, logo encarando sua levemente íngreme rua de seu ápice. Sua casa era no topo da ladeira, rodeada por outras criativas casas exatamente iguais, até sua base. A única diferente era a casa de frente para a "raiz" da ladeira. Suspeitava que esta era exatamente igual em cores em tempos passados, mas os descuidos do dono levaram-na a tomar cores mais escuras, era fato que ela parecia ser maior que as outras, para comportar tesouros. Rumores.

     Ignorou esses fatos, o importante era que esse seria o seu primeiro vôo sem o auxílio da mamãe-pássaro, ou seja, primeira bicicleta sem rodinhas. Para começar a voar, basta um impulso, que foi dado, mas não antes de um longo engolir em seco. O falcão-bebê alçou vôo, turbulento, como todos os primeiros são. Tremia mais que gelatina na colher, segundos antes de entrar na boca. Tentava num infinito esforço equilibrar-se naquelas (agora insanas) duas rodas.

     "Agora a gravidade faz o resto."

     Pensou ele, parando de pedalar. Seguia uma lição aprendida por todos aqueles que já tentaram descer ladeiras em duas rodas, a sua aprendida com o custo de muitos joelhos e mãos raladas.

     "Oras, bicicletas de rodinhas também caem, ou não?"

     Não se deu tempo de cogitar-se idiota pelos atos passados, só importava a ele o presente. A adrenalina começou a encher seu corpo, o sentimento de domínio sobre as duas rodas era incrível. Ainda mais interessante era a inveja pela qual ele ia sendo banhado, já que os outros garotos iam acompanhando-o com seus olhos, suas bocas não parando de chamá-lo, e não eram por bons nomes. Pouco o importava, o filhote de falcão queria voar mais alto, queria mais, muito mais.

     Confiante, retirou os braços da bicicleta, abrindo-os como se alçasse vôo, descendo aquela ladeira sem fim como se fosse uma pista de decolagem e em alguma hora iria realmente partir. Não é necessário nem dizer que a razão já havia abandonado-lhe à tempos e a esta hora ela estava lá, debaixo de sua cama, pensando no destino do moleque. Fechou os olhos, estava voando, absorto em pensamentos, nas núvens. O vento em seu rosto apenas soprando em seus ouvidos para ir mais rápido.

     Curioso foi como apenas um pensamento conseguia ser claro naquela emoção toda:

     "Heh! Venham me parar, seus invejosos! Hahahahah!..."                                                         


     Parte 2 - O garoto e o trem.

     Era dia. Um dia qualquer. Seus olhos se abriram. Não havia mais bicicleta, nem emoção, nem a falta de ambas o afligia. Sentado ele estava em um banco, um banco de uma estação de trem. Muito movimentada por sinal. Tinha um bilhete na sua mão em que se lia "The Bl---- Train - Ticket 1A", pouco era seu conhecimento em inglês, então parte dele era ilegível para o garoto. E mesmo as partes que ele sabia, pareciam dançar sobre sua visão. Esfregou os olhos para enxergar melhor, nada adiantara. Era como se uma neblina estivesse somente na frente dos olhos dele, e apenas os curiosos pisos em xadrez da estação eram nitidamente visíveis.

     Um som estridente irrompeu de uma das entradas da estação. O trem estava chegando. Levantou-se com o bilhete em mãos, para esperar o mesmo, e perceber, que apesar de a estação estar lotada a minutos atrás, não restava mais nenhuma alma à vista. Um lindo trem londrino se aproximava, azul, com vários detalhes em dourado, era obviamente de primeira classe.

     Notou um jovem esguio saindo por uma das portas do trem. Via-o muito bem, como se a neblina não o afetasse. Roupas em azul e dourado, obviamente combinando, e olheiras severas que não combinavam com nada. Apesar delas, em muito bom tom o jovem o abordou:

     - Bem vindo! Seu bilhete, senhor? - Que nos ouvidos do garoto também pode ser ouvido assim - Welcome! Your ticket, sir?
     - Ah... Está aqui - Disse o pequeno, estendendo-lhe o pequeno papel azul.
     - Hmm... 1A... Desculpe-me senhor, mas este bilhete ainda não está pago.
     - Não? Pensava que bilhetes só eram dados quando pagos - Insolente até em pensamentos.
     - Nosso sistema é outro, senhor... Aqui o pagamento só é feito com presença.... Em carne e osso... - Com um sorriso um tanto estranho, aproximava os dedos da testa do garoto, que começava a latejar.
     - Argh!!! Que ... O que é isso?! - Guinchou de dor, sangue começara a jorrar de sua testa, e escorria pelo seu rosto. Correu as mãos à testa, tentando estancar o ferimento que agora causava-lhe uma insana dor. Em sua luta para deter o sangue, ia se afastando do jovem macabro. O sangue caia em seus olhos, avermelhando a sua visão, para depois se escurecer completamente.


     Parte 3 - O garoto e o velho.

     Já não era dia. Pelo menos não havia nenhum raio de sol visível. Instintivamente um grito escapou de sua boca. Com os nervos em ordem, sentia quase todos os músculos do corpo à doer. De sua testa vinha uma dor lancinante, mais forte que as outras, talvez porque alguem estivesse tratando os ferimentos naquele lugar. Tentou mover-se para ver quem era aquele, que não se assustara nem com o grito. Depois pensou muitas vezes no porquê de ter tentado, apenas conseguira fazer seus ferimentos doerem mais.

     - Easy, boy... - Vinha uma voz madura, de senhor, de um senhor bastante velho.
     - Que... Que merda eu estou fazendo aqui? - Indagou o insolente pivete.
     - Olhe as palavras... Mães não gostam de ver seus filhos falando essas coisas... - Pigarreou ocupado em fazer o curativo, básico, apenas pro garoto não verter mais sangue - Resumindo... Ouvi um barulho fora de casa... Vim, e encontrei um guri no chão desacordado, que aparentemente tinha se estatelado contra meu muro favorito...

     Apesar de pensar em como alguém tem um muro favorito, outra pergunta atingiu-lhe a cabeça como... Bem... Como o muro:

     - E A MINHA BICICLETA?!
     - Mais baixo... Ninguem grita na minha casa... - Disse apenas, sem ar de mandão, parecia mais um avô. Embora fosse um avô bem desgrenhado - Inutilizada, não sei como você sobreviveu... Olha lá.

     O velho disse, indicando a bicicleta destruída que jazia não tão distante do moleque. Que não pôde deixar de conter um chorinho. Terminado o curativo, o garoto finalmente pôde ver onde estava, era aparentemente a livraria pessoal do mausoléu no fim da rua. Um tanto escura para o seu gosto, mas não podia negar que o velho tinha muitos livros. Com pressa para sair de lá, agradeceu, e pegou a bicicleta, ou o que restava dela. Nisso o velho não pôde deixar de abordá-lo:

     - Porque não ficas? Que tal uma história? Faz muito tempo desde que tive um visitante tão... Tão aberto a novas aventuras... - Riu baixinho, vislumbrando os ferimentos do garoto.
     - Não tô muito afim de ser caçoado... - Disse baixo, frio, mancando para a saída, notando curativos por todas as extremidades do corpo.

     O velho sorriu, andou de um lado para o outro, pensativo. Enquando o menino saia, então, decidiu-se, indagando para o moleque:

     - Espere guri! Tenho algo mais interessante que piadas... Prometo-lhe aqui, todo o meu tesouro, se tu escutar minhas histórias, claro!!!

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To be continued.

2 comentários:

  1. Algo me pôs na cabeça que o velhinho é magro, tem uma barba meio matusalém e se chama Arquimedes... Vai saber, né? Espero a continuação...

    Gostei, gostei, mesmo que o moleque exibido seja meiburro. E eu imaginei você no lugar dele, na parte do "Não tô muito afim de ser caçoado..". Também não sei por quê.

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  2. Adorei a primeira parte, correu muito livre e agradável de ler, me lembrou de algumas tirinhas de Calvin and Hobbes (Calvin e Haroldo) por algum motivo, talvez a recorrência do tema 'descendo uma ladeira em alta velocidade'. Também gostei da forma como parece ser descrito um mundinho num globo de neve xD Segunda parte me confundiu um pouco, talvez pudesse ser melhor trabalhada, mas ao mesmo tempo, entendo que tenha que se apresentar como algo confuso e desligado do resto... Terceira parte ficou com gosto de antecipação, é só o que há para si dizer. Talvez tenha faltado certa verossimilhança no diálogo, mas ficou legal mesmo assim. Vai continuar, né? Continue, que eu quero saber o que vem depois! xD

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