terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Picolé de Morango

     Tinha certeza que o calor da cidade o mataria um dia. No caminho do trabalho (escravo), o ar condicionado do carro não "dava vencimento" se comparado ao poder ofuscante e combustivo do Sol. Sim, combustivo de ânimo.
     O trânsito da cidade dava sinais de saturação, enquanto as vagas de estacionamento poderiam ser consideradas como felicidade de poucos. Ficou feliz de tê-la naquele dia.
     Era de praxe almoçar antes do trabalho, uma vez que quando o mesmo começava, não tinha tempo para outra coisa. Familiares como patrões, triste fim. É sabido por todos que o medo de explorar o empregado se extingue quando se trata de família. "Arnaldo, descobri que você é meu primo de quarto grau, heheh, hoje você fica até mais tarde, viu?"
     Pode isso, Arnaldo?
     A "ração" do restaurante mais próximo não era bem o que poderia-se chamar de excelente. Anos-luz disso. Mas era suficientemente grande para que seu estômago não fosse mais uma de suas preocupações. Oh como precisava de mais uma preocupação.
     Ao término, como um ritual, ele pegava o que chamavam (em outro lugar talvez) de "Strawberry Icecream", ou "Simples Picolé de Morango" (também não sabia qual era a do "icecream", mas seu inglês não era o que se poderia considerar perfeito). Era fácil perceber que era uma das únicas razões para ele ir neste local.
     Aquele simples compensado de materiais industriais, e que de morango de verdade só provavelmente tinha a mais ínfima das essências, era todo o alucinógeno que precisava. Transformava o resto do seu horario de almoço em algo diferente, curioso.
     Nada de problemas, namorada, mãe, complicações, indigestões, preocupações, diabetes, intrigas, sociedades, amores, lembretes, inimigos, amigos, aulas, colegas, indiretas ou litígios. Nada de nada.
     Um espaço de paz em meio ao caos. Uma epifania ou outra, um prazer calado no frio daquele material artificial. A beleza do silêncio da mente. Um nada pensar tão assim que nenhum outro assim é assim.
     Uma vez ou outra o (não-totalmente) inverso acontecia. E sua mente se via rodeada das mais complexas, e as vezes também vãs, filosofias. Inutilidades, utilidades, condensadas em um espaço caótico mas ainda sim pacífico de pensamentos. Talvez funcionasse como um anabolizante pra mente. Fora o sono que dava depois, se bem que ele imaginava isso como o desejo do cérebro de maquinar mais, construir em seus domínios os engenhosos inventos e pensamentos criados nas epifanias movidas a picolé de morango.
     Ao fim da viagem, o palito repousava em sua boca. Como que uma recusa a voltar a este mundo. Tomava seu rumo, direto para a escravidão temporária. E aos amigos recomendava que achassem seus próprios "picolés de morango", enquanto ia aproveitando as pequenas coisas...

     E rezando pra que na segunda feira ainda tivesse mais.
     

3 comentários:

  1. E você ainda tem a cara de dizer "me tirem da Sociedade, eu não escrevo".

    Como assim não escreve?

    Esse texto demonstrou o quanto sua escrita vem se aprimorando. No cuidado com as imagens, com as figuras, com a escolha das palavras...

    Fora que tá tão absurdamente meigo! >.<

    "Um espaço de paz em meio ao caos. Uma epifania ou outra, um prazer calado no frio daquele material artificial. A beleza do silêncio da mente. Um nada pensar tão assim que nenhum outro assim é assim". <- uma das melhores frases.

    E sem mais. Keep doing it, buddy! Keep writing like Johnny keeps walking!

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