segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

That's the dream!

A faculdade não tinha sido particularmente inspiradora naquele dia. Talvez tivesse sido a noite mal dormida, o trabalho rigoroso de uma das disciplinas na noite anterior ou simplesmente a didática monótona e estática do professor do dia.
A tarde no ramo da família também não o motivara muito. Séries e séries de esforços onde o cérebro é pouco utilizado não são muito empolgantes por assim dizer. Pelo menos a mente fora vagar por planos pouco habitados, dando um descanso depois de tantas doutrinas. O cavaleiro do deserto mandava um olá, enquanto o caçador atrapalhado e o frio imediato brigavam por um daqueles motivos torpes de filme de ação.
Após tal dia iluminador, o garoto de 19 anos apenas ansiava pela própria cama. Pelo menos por alguns minutos, já que o aplicativo do celular já tremelicava com as mensagens dos amigos. Afinal, era sexta-feira. Hm, acho que isso explicava a morosidade do dia.
Chegou, tirou os sapatos sem pressa, sentado no sofá. Olhou ao redor, aparentemente ninguém havia chegado. Lembrara que a mãe viajara logo cedo, achou que o pai fora junto, e o irmão (como uma amiga gostava de dizer) vivia solto na buraqueira. Não era de inteiro verdade, mas o pensamento da expressão o fez rir sozinho.
Rindo, ouviu uma comoção no interior da casa. Um alarde. Será que seu irmão já havia chegado? Tão cedo. Seguiu o barulho, constatando a luz do próprio quarto ligada. Pé ante pé foi se aproximando, abriu a porta. Deparou-se com um homem mais velho, mais forte, de óculos, moreno, com feições amorosas (mesmo com uma barba densa) e uma semelhança incrível com o garoto. Estava sentado no chão, perto à televisão, mexendo em algo.
- Filho!... – Riu o homem, com um objeto e uma chave de fenda em mãos – Era pra ser uma surpresa... Mas eu não consegui instalar.
O objeto era nada mais nada menos que o vídeo-game que o jovem adulto mais queria. Alvo de desejo, e inveja de muitos. Um verdadeiro sonho de consumo. Capaz de fazer o garoto suportar o trabalho relativamente chato com um sorriso no rosto por vários dias. Ser escravo familiar nunca foi um ramo que dava muito dinheiro. Mas era suficiente, em alguns meses teria dinheiro para comprá-lo e viver feliz para sempre.
Mas ali estava, na sua frente, o console “definitivo”. Soltou uma interjeição de alegria, algumas onomatopéias e demonstrações de carinho. Seu herói salvou o dia novamente. Amava aquele homem, sempre justo, sempre carinhoso, sempre o melhor pai que qualquer pessoa poderia desejar. Gostava de se imaginar como ele quando crescesse. Se amavam.
Então o garoto notou a ferramenta na mão do velho. Era uma chave de fenda. Um arrepio percorrera-lhe a espinha. E notou a realidade. O homem, em sua inocência, havia aberto o presente, carcaça e tudo. Havia o feito alguma vez em um vídeo-game incrivelmente antigo no qual o procedimento era necessário. E o vendedor havia o instruído mal.
O garoto não sabia se tinha jeito. Olhou uma segunda vez, talvez fosse irreparável. Tentou não demonstrar qualquer emoção. Não conseguiu.
- Que foi filho, não gostou? – Perguntou preocupado o genitor.
- Hm... É que eu também não sei instalar! – Mentiu.
Riram juntos.
- Pai, sabe o que eu achei ontem? – Soltou a charada – O Super Nintendo! Vamo jogar Bomberman?
- Uh! Eu adoro esse jogo! Hoje em dia os jogos são tão complicados que nem mexo mais... – Gargalhou o pai, logo notando o presente novo – Mas e o presente?
- Depois eu levo na loja e aprendo a instalar – Levantou-se – O Nintendo ta na gaveta, eu pego os toddynhos!
- Eu vou instalando, mas não garanto que ainda sei jogar!
Sorriram e brincaram. Um menino foi à cozinha, e o outro começou a preparar a brincadeira. Pegou os achocolatados, e lembrou-se do celular que tremelicava. Afinal, era sexta-feira. Silenciou-o e jogou-o no sofá da sala. Voltou ao quarto, e passou a melhor noite da sua vida com seu melhor amigo.

Aquele, sim, era o sonho.

4 comentários:

  1. muito bonito, cara. e a reação ao ver o pai abrindo o video-game foi bastante verdadeira. o que ensina e o que aprende.

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  2. you made me cry, u son of a bitch. isso foi lindo. :) i'm proud of ya.

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  3. Isso foi lindo (2) y-y Não deixe de escrever não, você me dá muito orgulho ;*

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