A faculdade não tinha sido
particularmente inspiradora naquele dia. Talvez tivesse sido a noite mal
dormida, o trabalho rigoroso de uma das disciplinas na noite anterior ou
simplesmente a didática monótona e estática do professor do dia.
A tarde no ramo da família também
não o motivara muito. Séries e séries de esforços onde o cérebro é pouco
utilizado não são muito empolgantes por assim dizer. Pelo menos a mente fora
vagar por planos pouco habitados, dando um descanso depois de tantas doutrinas.
O cavaleiro do deserto mandava um olá, enquanto o caçador atrapalhado e o frio
imediato brigavam por um daqueles motivos torpes de filme de ação.
Após tal dia iluminador, o garoto
de 19 anos apenas ansiava pela própria cama. Pelo menos por alguns minutos, já
que o aplicativo do celular já tremelicava com as mensagens dos amigos. Afinal,
era sexta-feira. Hm, acho que isso explicava a morosidade do dia.
Chegou, tirou os sapatos sem
pressa, sentado no sofá. Olhou ao redor, aparentemente ninguém havia chegado. Lembrara
que a mãe viajara logo cedo, achou que o pai fora junto, e o irmão (como uma
amiga gostava de dizer) vivia solto na buraqueira. Não era de inteiro verdade,
mas o pensamento da expressão o fez rir sozinho.
Rindo, ouviu uma comoção no
interior da casa. Um alarde. Será que seu irmão já havia chegado? Tão cedo. Seguiu
o barulho, constatando a luz do próprio quarto ligada. Pé ante pé foi se
aproximando, abriu a porta. Deparou-se com um homem mais velho, mais forte, de
óculos, moreno, com feições amorosas (mesmo com uma barba densa) e uma
semelhança incrível com o garoto. Estava sentado no chão, perto à televisão,
mexendo em algo.
- Filho!... – Riu o homem, com um
objeto e uma chave de fenda em mãos – Era pra ser uma surpresa... Mas eu não
consegui instalar.
O objeto era nada mais nada menos
que o vídeo-game que o jovem adulto mais queria. Alvo de desejo, e inveja de
muitos. Um verdadeiro sonho de consumo. Capaz de fazer o garoto suportar o
trabalho relativamente chato com um sorriso no rosto por vários dias. Ser
escravo familiar nunca foi um ramo que dava muito dinheiro. Mas era suficiente,
em alguns meses teria dinheiro para comprá-lo e viver feliz para sempre.
Mas ali estava, na sua frente, o
console “definitivo”. Soltou uma interjeição de alegria, algumas onomatopéias e
demonstrações de carinho. Seu herói salvou o dia novamente. Amava aquele homem,
sempre justo, sempre carinhoso, sempre o melhor pai que qualquer pessoa poderia
desejar. Gostava de se imaginar como ele quando crescesse. Se amavam.
Então o garoto notou a ferramenta
na mão do velho. Era uma chave de fenda. Um arrepio percorrera-lhe a espinha. E
notou a realidade. O homem, em sua inocência, havia aberto o presente, carcaça
e tudo. Havia o feito alguma vez em um vídeo-game incrivelmente antigo no qual
o procedimento era necessário. E o vendedor havia o instruído mal.
O garoto não sabia se tinha jeito.
Olhou uma segunda vez, talvez fosse irreparável. Tentou não demonstrar qualquer
emoção. Não conseguiu.
- Que foi filho, não gostou? –
Perguntou preocupado o genitor.
- Hm... É que eu também não sei
instalar! – Mentiu.
Riram juntos.
- Pai, sabe o que eu achei ontem? –
Soltou a charada – O Super Nintendo! Vamo jogar Bomberman?
- Uh! Eu adoro esse jogo! Hoje em
dia os jogos são tão complicados que nem mexo mais... – Gargalhou o pai, logo
notando o presente novo – Mas e o presente?
- Depois eu levo na loja e aprendo
a instalar – Levantou-se – O Nintendo ta na gaveta, eu pego os toddynhos!
- Eu vou instalando, mas não
garanto que ainda sei jogar!
Sorriram e brincaram. Um menino
foi à cozinha, e o outro começou a preparar a brincadeira. Pegou os
achocolatados, e lembrou-se do celular que tremelicava. Afinal, era
sexta-feira. Silenciou-o e jogou-o no sofá da sala. Voltou ao quarto, e passou
a melhor noite da sua vida com seu melhor amigo.
Aquele, sim, era o sonho.
Gostei, cara. Foi bonito.
ResponderExcluirmuito bonito, cara. e a reação ao ver o pai abrindo o video-game foi bastante verdadeira. o que ensina e o que aprende.
ResponderExcluiryou made me cry, u son of a bitch. isso foi lindo. :) i'm proud of ya.
ResponderExcluirIsso foi lindo (2) y-y Não deixe de escrever não, você me dá muito orgulho ;*
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