segunda-feira, 18 de março de 2013

Posso. Deixa. Sou.


Posso ser seu coração brutal?

Na minha inexperiência resta o desejo de sê-lo.
Em uma despedida, puxar-lhe a mão e tomar-te em meus braços.
Sentir o cheiro de seu pescoço, cujo plano seria macular o branco puro.
Prender sua cintura à minha, como um pequeno incentivo, para não restar dúvidas.

Deixe-me ser seu coração brutal.

Não há tempo para ensinar-me a ser.
Então o instinto me ensina, me molda...
E eu me amoldo ao seu corpo, suas necessidades, suas formas...
Somente para te tirar dessa tua mania de estar segura...
Um toque em sua nuca entrega seu ponto fraco. Sem pressa.
Meus dedos fecham em seus cabelos e te confirmam.

Eu sou seu coração brutal.

Aquele por qual o sono será trocado.
Embora não menos saciada lhe deixará.
Que há um minuto, você não imaginava.
E que a alguns depois, você necessita.

Deixa o batom pra lá...

Aonde vamos, você não precisa dele...



(Texto feito para um desafio Interblogs. Inspirado no blog de Ludmila Monteiro, o Amor Tecedor. Mais especificamente no conto Brutal Hearts.)

sexta-feira, 15 de março de 2013

Leitura Difícil.

     Você, aí, na cama, na chuva, na fazenda... Gostaria de uma leitura difícil?
     Longe de mim estar falando deste texto, refiro-me a uma leitura intrínseca, complexa e extremamente subjetiva.
     Daquela que te confunde, mas te cativa, e te deixa dias pensando nela. 
     Que hora quer dizer uma coisa, e no outro minuto não.
     Te deixa nervoso, irritado e as vezes até transtornado. Mas que com uma linha ou duas consegue o mais sincero dos seus sorrisos.
     Aquela que custa a entender, mas uma vez que consiga te trás a satisfação e felicidade de um "quase-nirvana".
     Codificada a mais de sete chaves, recompensa-o com a síntese dos sentimentos, mímese da perfeição, ou a própria em uma dose não tão homeopática.
     Fonte de uma poesia tão sublime, mas ainda sim presa em um jardim secreto.
     Muito embora eu ainda não conheça quem a desvendou por completo.
     Digna de prêmio esta pessoa seria.

     Não se deixe enganar pela belíssima capa, os perfeitos adornos e suas lindas páginas, o interior guarda as mais intrincadas e incompreensíveis (embora esplêndidas) coisas da humanidade.

     - Mulher.

     Talvez tentar ler seja o nosso pecado.


quinta-feira, 7 de março de 2013

Cinco picolés e uma oração.

Nada melhor que uma dormida depois do almoço, não? A faculdade acabara cedo. Pra variar um professor faltou, nos deixando com somente uma das aulas. Entrega de trabalho. Rápida. Prática. Indolor. A volta pra casa carregara algum peso já que uma amiga queria ter uma DR. Quem já se viu, amiga ter DR. Vôte.

Santo sono (, Bátema). Rearrumei-me, ficando pronto para o trabalho, peguei o carro e fui. Torcendo para que ainda houvesse um Picolé de Morango naquela vendinha perto do escritório. Ah... Meu ritual de gordura. E de alucinação e relaxamento, já que o mesmo me proporcionava momentos sublimes no meio dessa vidinha caótica.

Antes de doze horas era impossível achar estacionamento para o carro. O esquema era chegar um pouco atrasado para garantir uma vaga. Já que dez minutos mais cedo poderiam significar dez minutos gastos procurando uma vaga.

Tranquei o carro e me dirigi ao local santo que me separava do trabalho escravagista. Ficava no mesmo prédio, na galeria no térreo. Ao passar pelo porteiro, ele me para, e diz:

- A "dôtora" tá no carro, na frente do prédio. - Eu vi, ótimo, não vou ouvir ela gritando hoje.
- Eu sei, tranquilo.
- Vai lá... Parece que um irmão dela morreu...

Parei, provavelmente pálido. Conhecia todos os irmãos da advogada. Ela insistia em me levar nas festas de família, e todos eles me tinham com esmero. As pernas, outrora fortes, deram sinais de fraqueza. Nunca tinha presenciado uma morte tão perto. Mas tinha que ser forte, mais uma pessoa chorando não adiantaria em nada. E eu nem ao menos sabia quem tinha falecido.

Dirigí-me ao carro, postergando meu amado picolé. A estagiária estava lá. Alguns clientes também estavam. Procurei. A advogada estava atrás descansando o rosto no banco da frente. O marido da advogada estava no volante, também visivelmente triste. Nunca o vi daquele jeito.
Me aproximei da janela, ninguém queria falar nada. Perguntei:

- O que houve?...
- Mataram... o Antonio... - Ela falou entre soluços.

Engoli em seco. O famoso "tio tonho" não estava mais entre nós. Não sabia o que dizer. Só que nessas horas o cérebro da gente não computa direito. Lembra das coisas, das festas.

Ele fazia aniversário em primeiro de janeiro. Costumava matar algum animal e fazer uma festa na cidadezinha natal deles. Chamava todo mundo. Cheguei a ir muitas vezes, e todos, principalmente ele, me tratavam com muito apreço. Era bastante carismático, um senhorzinho do interior, adorava a calmaria das suas terras, e amava seus filhos e sobrinhos. Não era um ser humano perfeito, mas quem é? De vez em quando eu ouvia histórias das suas saídas para beber, uma mais mirabolante que a outra.

Uma lágrima começou a se formar, e eu a prendi. Saudades. Minha chefe disse que eu poderia ir pra casa se quisesse, já que eles iam resolver as coisas. Disse que voltaria ao trabalho. Sem problemas, eu disse.
Eles saíram e eu fiquei, no meio da rua, olhando o movimento.

Fui e comprei cinco picolés de morango.

O porteiro me avistou e perguntou:

- Falou com a sua mãe?
- Falei...

E fui subindo a escadaria do prédio, com cinco picolés na mão, muitos pensamentos, e uma oração.


terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Picolé de Morango

     Tinha certeza que o calor da cidade o mataria um dia. No caminho do trabalho (escravo), o ar condicionado do carro não "dava vencimento" se comparado ao poder ofuscante e combustivo do Sol. Sim, combustivo de ânimo.
     O trânsito da cidade dava sinais de saturação, enquanto as vagas de estacionamento poderiam ser consideradas como felicidade de poucos. Ficou feliz de tê-la naquele dia.
     Era de praxe almoçar antes do trabalho, uma vez que quando o mesmo começava, não tinha tempo para outra coisa. Familiares como patrões, triste fim. É sabido por todos que o medo de explorar o empregado se extingue quando se trata de família. "Arnaldo, descobri que você é meu primo de quarto grau, heheh, hoje você fica até mais tarde, viu?"
     Pode isso, Arnaldo?
     A "ração" do restaurante mais próximo não era bem o que poderia-se chamar de excelente. Anos-luz disso. Mas era suficientemente grande para que seu estômago não fosse mais uma de suas preocupações. Oh como precisava de mais uma preocupação.
     Ao término, como um ritual, ele pegava o que chamavam (em outro lugar talvez) de "Strawberry Icecream", ou "Simples Picolé de Morango" (também não sabia qual era a do "icecream", mas seu inglês não era o que se poderia considerar perfeito). Era fácil perceber que era uma das únicas razões para ele ir neste local.
     Aquele simples compensado de materiais industriais, e que de morango de verdade só provavelmente tinha a mais ínfima das essências, era todo o alucinógeno que precisava. Transformava o resto do seu horario de almoço em algo diferente, curioso.
     Nada de problemas, namorada, mãe, complicações, indigestões, preocupações, diabetes, intrigas, sociedades, amores, lembretes, inimigos, amigos, aulas, colegas, indiretas ou litígios. Nada de nada.
     Um espaço de paz em meio ao caos. Uma epifania ou outra, um prazer calado no frio daquele material artificial. A beleza do silêncio da mente. Um nada pensar tão assim que nenhum outro assim é assim.
     Uma vez ou outra o (não-totalmente) inverso acontecia. E sua mente se via rodeada das mais complexas, e as vezes também vãs, filosofias. Inutilidades, utilidades, condensadas em um espaço caótico mas ainda sim pacífico de pensamentos. Talvez funcionasse como um anabolizante pra mente. Fora o sono que dava depois, se bem que ele imaginava isso como o desejo do cérebro de maquinar mais, construir em seus domínios os engenhosos inventos e pensamentos criados nas epifanias movidas a picolé de morango.
     Ao fim da viagem, o palito repousava em sua boca. Como que uma recusa a voltar a este mundo. Tomava seu rumo, direto para a escravidão temporária. E aos amigos recomendava que achassem seus próprios "picolés de morango", enquanto ia aproveitando as pequenas coisas...

     E rezando pra que na segunda feira ainda tivesse mais.